Comentário Litúrgico
31º Domingo do Tempo Comum
Domingo, 30 de outubro de 2022
Evangelho (Lc 19,1-10)
Deus amou tanto o mundo que lhe deu o seu Filho unigénito;
quem acredita nele tem a vida eterna. (Jo 3,16)
Voltamos aqui a um dos temas prediletos de Lucas: Jesus é o Deus que veio ao encontro dos homens e Se fez pessoa para trazer, em gestos concretos, a libertação a todos os homens - nomeadamente aos marginalizados e excluídos, colocados pela doutrina oficial à margem da salvação.
Zaqueu (é o nome do publicano em causa) era, naturalmente, um homem que colaborava com os opressores romanos e que se servia do seu cargo para enriquecer de forma imoral (exigindo impostos muito acima do que tinha sido fixado pelos romanos e guardando para si a diferença, como aliás era prática corrente entre os publicanos). Era, portanto, um pecador público sem hipóteses de perdão, excluído do convívio com as pessoas decentes e sérias. Era um marginal, considerado amaldiçoado por Deus e desprezado pelos homens. A referência à sua "pequena estatura" - mais do que uma indicação de carácter físico - pode significar a sua pequenez e insignificância, do ponto de vista moral.
Este homem procurava "ver" Jesus. O "ver" indica aqui, provavelmente, mais do que curiosidade: indica uma procura intensa, uma vontade firme de encontro com algo novo, uma ânsia de descobrir o "Reino", um desejo de fazer parte dessa comunidade de salvação que Jesus anunciava. No entanto, o "mestre" devia parecer-lhe distante e inacessível, rodeado desses "puros" e "santos" que desprezavam os marginais como Zaqueu. O subir "a um sicómoro" indica a intensidade do desejo de encontro com Jesus, que é muito mais forte do que o medo do ridículo ou das vaias da multidão.
Como é que Jesus vai lidar com este excluído, que sente um desejo intenso de conhecer a salvação que Deus oferece e que espreita Jesus do meio dos ramos de um sicómoro? Jesus começa por provocar o encontro; depois, sugere a Zaqueu que está interessado em entrar em comunhão com Ele, em estabelecer com Ele laços de familiaridade ("quando Jesus chegou ao local, olhou para cima e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa»"). Atente-se neste quadro "escandaloso": Jesus, rodeado pelos "puros" que escutam atentamente a sua Palavra, deixa todos especados no meio da rua para estabelecer contato com um marginal e para entrar na sua casa. É a exemplificação prática do "deixar as noventa e nove ovelhas para ir à procura da que estava perdida"... Aqui torna-se patente a fragilidade do coração de Deus que, diante de um pecador que busca a salvação, deixa tudo para ir ao seu encontro.
Como é que a multidão que rodeia Jesus reage a isto? Manifestando, naturalmente, a sua desaprovação às atitudes incompreensíveis de Jesus ("ao verem isto, todos murmuravam, dizendo: «foi hospedar-se em casa de um pecador»"). É a atitude de quem se considera "justo" e despreza os outros, de quem está instalado nas suas certezas, de quem está convencido de que a lógica de Deus é uma lógica de castigo, de marginalização, de exclusão. No entanto, Jesus demonstra-lhes que a lógica de Deus é diferente da lógica dos homens e que a oferta de salvação que Deus faz não exclui nem marginaliza ninguém.
Como é que tudo termina? Termina com um banquete (onde está Zaqueu, o chefe dos publicanos) que simboliza o "banquete do Reino". Ao aceitar sentar-Se à mesa com Zaqueu, Jesus mostra que os pecadores têm lugar no "banquete do Reino"; diz-lhes, também, que Deus os ama, que aceita sentar-Se à mesa com eles - isto é, quer integrá-los na sua família e estabelecer com eles laços de comunhão e de amor. Jesus mostra, dessa forma, que Deus não exclui nem marginaliza nenhum dos seus filhos - mesmo os pecadores - mas a todos oferece a salvação.
E como é que Zaqueu reage a essa oferta de salvação que Deus lhe faz? Acolhendo o dom de Deus e convertendo-se ao amor. A repartição dos bens pelos pobres e a restituição de tudo o que foi roubado em quádruplo, vai muito além daquilo que a lei judaica exigia (cf. Ex 22,3.6; Lev 5,21-24; Nm 5,6-7) e é sinal da transformação do coração de Zaqueu... Repare-se, no entanto, que Zaqueu só se resolveu a ser generoso após o encontro com Jesus e após ter feito a experiência do amor de Deus. O amor de Deus não se derramou sobre Zaqueu depois de ele ter mudado de vida; mas foi o amor de Deus - que Zaqueu experimentou quando ainda era pecador - que provocou a conversão e que converteu o egoísmo em generosidade. Prova-se, assim, que só a lógica do amor pode transformar o mundo e os corações dos homens.