domingo, 24 de março de 2013

O fiat que nos abriu as portas do Céu


Meditação sobre o mistério da Anunciação que se comemora em 25 de março
Gregorio Vivanco Lopes
Anunciação do anjo
De repente, no Céu, um alegre e sacral alvoroço entre os anjos. Deus lhes revelara que os tempos estavam completos e o momento de a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnar-se e habitar entre os homens chegara. Um anjo seria enviado à Virgem de Nazaré para anunciar-lhe sua maternidade divina. Qual dos anjos? Quem teria essa honra? A expectativa era grande.
Deus outrora havia enviado o Arcanjo Gabriel em missão junto ao Profeta Daniel, a fim de comunicar-lhe a famosa profecia sobre as setenta semanas de anos que decorreriam até a vinda do Salvador. (Dn 8 e 9)
Chegado o momento do cumprimento dessa profecia, Deus quis que o mesmo Gabriel, que séculos antes a anunciara a Daniel, fosse o portador da boa nova.
Todos os anjos do Céu se regozijaram pela escolha de Gabriel; ele, por sua vez, prostrou-se ante a Divina Majestade para receber as palavras que deveria comunicar à Virgem Imaculada.
Para preparar o caminho, Gabriel foi previamente enviado como embaixador junto ao sacerdote Zacarias, a fim de lhe transmitir que ele seria o pai do Precursor, João Batista.
Afinal, chegado o momento aprazado desde toda a eternidade, Gabriel desceu dos Céus para realizar sua sublime missão nesta Terra, que seria a grande alegria para os filhos de Eva.
Numa abençoada casa da pequena cidade de Nazaré, na Galileia, a Virgem rezava, toda absorta em Deus. Ela terminara os afazeres da casa enquanto José, seu castíssimo esposo, como Ela da real estirpe de David, saíra para comprar nas cercanias algum material necessário à execução de seus trabalhos. E agora meditava.
Gabriel aproximou-se d’Ela, mas não ousou revelar logo sua presença. Durante algum tempo ele a contemplou incógnito e enlevado, vendo nela a própria expressão da inocência, da pureza e da mais alta santidade. Ele estava extasiado, como que fora de si, pois nem no Céu encontrara algum anjo que se pudesse comparar àquela obra prima da natureza e da graça: em sublimidade, em elevação de espírito, em virtude, em dons de Deus. Sua excelsitude ultrapassava em muito a capacidade de compreensão de Gabriel, mas o enchia totalmente de gozo celestial e de admiração.

Por fim, como era preciso cumprir a vontade divina, ele se fez ver. Mas o seu entusiasmo era tal, que antes mesmo de comunicar à Virgem, cujo nome era Maria, a finalidade de sua embaixada, prorrompeu do mais fundo de seu espírito uma exclamação de júbilo e admiração: “Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo”.
Que saudação será esta? – perguntava-se a Virgem. Toda sua vida fora voltada para o amor e o serviço de Deus, sem qualquer incorreção ou vacilação. Não encontrando em si nenhuma falta nem a mais leve imperfeição, reconhecia, entretanto, seu nada diante de Deus. Não é d’Ele que nos vêm todos os bens? Assim sendo, o que significavam aquelas palavras tão elogiosas vindas de um anjo? A que vinha ele? “Discorria pensativa que saudação seria esta.
Confundido diante da profunda humildade da Virgem, o Arcanjo procurou tranquilizá-la, antes de comunicar-lhe o fim de sua embaixada: “Não temas Maria, pois achaste graça diante de Deus”.
E, em seguida, descobriu-lhe o objeto de sua missão: “Eis que conceberás e darás à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus. Ele será grande e será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai David; e reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim”.
Após ouvir aquelas palavras com reverente atenção, Maria expôs ao Anjo uma perplexidade: “Como se fará isso, pois não conheço varão?”.
Não apenas Ela havia feito um voto de virgindade perpétua, mas a união de alma que Deus consentia em ter com Ela era de tal profundidade que não admitia qualquer partilha. Ela era a imaculada. Deus lhe havia dito uma palavra interior, mediante a qual Ela compreendera que sua castidade era eterna e só para Deus: “Como o lírio entre os espinhos, assim é minha amiga entre as donzelas. Meu amado é para mim e eu sou para ele. Toda formosa és, amiga minha, e em ti não há mácula. És um jardim fechado, minha irmã, minha esposa, uma nascente fechada, uma fonte selada”(Cânticos, 2 e 4).
Tal exclusividade de Deus na posse de sua alma e de seu corpo constituía para Ela uma evidência sem réplica, a respeito da qual não tinha qualquer dúvida ou vacilação. Mas nela tampouco havia qualquer hesitação sobre a veracidade da mensagem do anjo, pois reconhecia nele um mensageiro de Deus.
Então, calmamente, sem qualquer perturbação ou desassossego, sabendo de antemão que para Deus nada é impossível, colocou o problema, cônscia de que diante de duas realidades incompatíveis vindas do Altíssimo deveria existir uma solução maravilhosa que Ela desconhecia.
E a resposta de Gabriel não se fez esperar, sublime e superando todas as soluções humanas: O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o santo que há de nascer de ti será chamado Filho de Deus”.

Ao ouvir tal mensagem, Maria lembrou-se da profecia de Isaias: “o mesmo Senhor vos dará este sinal: uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e o chamará Deus Conosco”(Is 7,14).
Só então Ela deu seu consentimento: “Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra”. E o Verbo de Deus se fez carne e habitou entre nós no seio da Virgem Maria.
Mas era necessário esse consentimento? Tal era a magnitude do dom que Deus lhe fazia, que aparentemente não seria preciso qualquer aprovação por parte d’Ela. Se alguém dá a outrem um tesouro estupendo, não precisa perguntar-lhe se o aceita.
Não é verdade! Deus respeita absolutamente a liberdade de cada um. Mesmo quando Ele cumula alguém de graças, condiciona seus efeitos à aceitação da pessoa. É por isso que existe o mérito e a culpa. Quando se aceita a bondade de Deus, pratica-se um ato meritório. Quando se recusa, faz-se um ato culposo.
De modo que a aceitação por parte de Maria do dom divino foi altamente meritória. E o bem infinito que daí decorreu para todos nós, com a Redenção, efetivamente dependeu do fiat (faça-se) d’Ela. Assim, depois de Deus, a Ela devemos a possibilidade que nos foi aberta de salvarmos nossas almas e irmos para o Céu, até então fechado aos homens pela culpa de Adão.
Dessa forma, o mistério da Anunciação deve suscitar em nós não apenas um merecido louvor ao infinito poder de Deus e uma admiração sem limites pela Virgem Mãe, mas também um hino de ação de graças a Maria Santíssima por ter aceitado que n’Ela se realizasse o mistério sublime do qual todos nós somos grandemente beneficiários.
“Por ela Jesus Cristo veio a nós, e por ela devemos ir a Ele”, concluímos com São Luiz Grignion de Montfort.

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